Reflexão à Liturgia da Palavra do III Domingo da Páscoa
Pela estrada de Emaús vai o Senhor com os seus discípulos a celebrar a ressurreição. Celebração litúrgica, gesto ritual. Não sendo celebração eucarística, tudo a relembra e comemora.
Na aparição de Emaús há celebração da Palavra, há pão e vinho na mesa. Ressurreição e Eucaristia dizem a mesma realidade. Todas as vezes que celebramos a Eucaristia anunciamos a morte e a ressurreição do Senhor. Ficamos de novo à escuta “de tudo o que refere a Jesus de Nazaré” e revivemos “o que se passou em Jerusalém nestes dias”. Na aparição de Emaús, como na Eucaristia, a proclamação da Palavra termina na fracção do pão. A Eucaristia é o desfecho esperado, para onde convergem todas as Escrituras, dando-lhes sentido e plenitude.
Hoje, como outrora aos discípulos de Emaús, antes da Liturgia da Palavra e do Pão repartido, Jesus se atravessa na nossa estrada de dúvidas e desilusões, para entrar e ficar, para encher e preencher os nossos corações. Alegremo-nos com a certeza de que Ele está no meio de nós para nos explicar as Escrituras e partir-nos o Pão da vida … só depois poderemos partir, pelo caminho da vida, para mostrar a toda a gente o fogo do Seu amor que nos habita.
Depois da Ascensão de Jesus, os discípulos regressam à casa onde tinham celebrado a Ceia Pascal. Aí permanecem até ao dia do Pentecostes, quando recebem o Espírito Santo prometido, que lhes ilumina a inteligência, aquece o coração. É assim que, cheio do Espírito Santo, Pedro faz a sua primeira pregação, interpretando a Sagrada Escritura à luz da Ressurreição. A primeira leitura é tirada do livro dos Actos dos Apóstolos 2, 14.22-33.
Cantemos ao Senhor nosso refúgio e único bem. Ele é a nossa herança e com Ele a nosso lado, teremos desde já e mesmo depois da morte a alegria plena na Sua presença. O Salmo Responsorial é o salmo 15 (16), 1-2a.5.7-8.9-10.11.
O que São Pedro pregou no dia do Pentecostes, foi o mesmo que ele escreveu na sua carta aos cristãos da Ásia Menor. Em momento de perseguição por causa da fé, o apóstolo exorta-os à fidelidade, pois foram resgatados pelo Sangue precioso de Jesus Cristo. A segunda leitura é um trecho da primeira Epístola de S. Pedro 2, 17-21. Esta leitura adapta-se maravilhosamente ao tempo pascal, falando-nos da nossa libertação através do Sangue do novo Cordeiro Pascal e da Ressurreição de Jesus.
No Domingo de Páscoa, dois dos discípulos de Jesus regressam a casa, em Emaús, desanimados com tudo o que acontecera e sem acreditar no testemunho das mulheres a quem os anjos tinham anunciado a ressurreição de Jesus. Fazendo-Se companheiro de caminho, o Ressuscitado vai ajudar estes discípulos a passar da demissão à acção. “Ficai connosco, Senhor”, pedem os discípulos a Jesus, na passagem evangélica deste Domingo, tirada do Evangelho segundo São Lucas 24, 13,35. Jesus Cristo é Deus connosco. A Eucaristia e todo o encontro com Jesus Cristo exigem intimidade, celebram-se dentro. “Entrou então para ficar com eles”. É na oração perseverante que o coração se abre e o Senhor entra. “Se alguém abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo” (Apocalipse 3,20). A dificuldade não está em o Senhor entrar, mas no coração que não se quer abrir. Jesus Cristo ressuscitou para viver connosco em comunhão, dando e recebendo. Vai connosco pelos caminhos, peregrino das nossas buscas e desalentos, ateando os corações no fogo da Sua Palavra. Comungamo-l’O na vida e na partilha de amor fraterno, mistérios de amor sacramentado.
“Deu-se-lhe a conhecer ao partir do pão”. O gesto de Jesus abriu-lhes os olhos. Mas antes que os olhos se abrissem, já o coração estava aberto e tinha visto, quando abriram a porta e repartiram com Ele o seu pão. O gesto de repartir revela sempre um ressuscitado. Quando me repartir em pão pelos famintos de amor e de verdade, celebra-se no mundo a Ressurreição do Senhor.
É o amor que me abre os olhos, para ver em cada ser humano um Cristo ressuscitado. Cada vez que comungo os outros, vai-se-me o coração atrás dele. Aqueles a quem for enviado e vierem ao meu encontro, são o caminho mais certo, o trajecto mais curto para encontrar Jesus Cristo ausente. Amando O reconhecerei e será pelos outros reconhecido. Quando eu amar, Ele me aparece e verei a aparição.
“Partiram imediatamente de regresso a Jerusalém”, narra a parte final do Evangelho. Eucaristia e Resurreição são pressas de ir dizer aos outros que Jesus Cristo ressuscitou. O cristão “liberto da vã maneira de viver”, como refere a 2.ª leitura, vai levar a Boa Nova e ao mesmo tempo, aprendê-la. Se nos fecharmos dentro de nós, absortos no nosso egoísmo, indiferentes aos pobres que pedem pão, só nos encontraremos a nós mesmos, como em deserto, no vazio de miragens que nos enganam. Na partilha e testemunho do Senhor ressuscitado, cresce a fé, redobra a alegria. A alegria vive-se em coro e a fé em comunhão.
Pelos caminhos dos homens, na vida normal e concreta, é que Jesus Cristo nos aparece. Os caminhos da vida são celebrações da palavra, partir do pão. Abre-te, comunga e deixa-te comungar. Não sejas insensato e lento de coração. A Bem-aventurada Virgem Santa Maria, Mãe do Caminho, que acolhendo a Palavra, fez de toda a sua vida um “sim” a Deus, nos indique o caminho.
Diácono António Figueiredo