
Reflexão à Liturgia da Palavra
do V Domingo do Tempo Comum, Ano C

No interior do Templo, no pó da estrada ou à beira mar, Deus surpreende-nos sempre, com a suavidade da sua presença. Provoca-nos e desafia-nos no seu amor. Chama-nos e convoca-nos para Ele. Converte-nos a Ele e resgata-nos para si, para depois nos enviar, de novo e renovados, aos nossos irmãos, de perto ou de longe.
Jesus Cristo começa a edificar a Igreja. Foi a obra que o Pai lhe confiou. Ela é a vontade salvífica de Deus encarnada, amor visível e real, continuado no espaço e no tempo. Para a missão de pescar homens, já temos patrão e pescadores na barca. Só falta lançar as redes.
Na primeira leitura, tirada de Isaías 6, 1-2a.3-8, apresenta-se, de uma forma simples e questionadora, o modelo de um homem que é sensível aos apelos de Deus e que tem a coragem de aceitar ser enviado.
O salmo que vamos cantar ou recitar, é o salmo 137 (138), 1-2a.bc-3.4-5-7c8, que a Liturgia propõe para Salmo Responsorial, suscita em nós uma oração de agradecimento e de louvor, celebrando a experiência do atendimento de Deus aos nossos pedidos. Louvemos o Senhor com os anjos e os santos, recitando ou cantando: “Na presença dos Anjos, Eu Vos louvarei, Senhor!”
Na segunda leitura, 1.ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios 15, 1-11, recorda-nos que com a sua acção libertadora, que continua a acção de Jesus e que renova o mundo, o discípulo sabe que está a dar testemunho da ressurreição de Cristo.
O Evangelho é de S. Lucas, 5, 1-11. Nesta passagem evangélica, o evangelista apresenta-nos um grupo de discípulos que partilharam a barca com Jesus, que acolheram as propostas de Jesus, que souberam reconhecê-l’O como seu Senhor, que aceitaram o convite para serem pescadores «pescadores de homens» e que deixaram tudo para seguir Jesus …
“Lançai as redes para a pesca”, diz Jesus aos discípulos. A Igreja é “sacramento universal de salvação”, continuadora da obra de Jesus Cristo. Deus quis precisar dos homens e partilhar connosco os seus desígnios de amor. Quer salvar o homem pelo homem e para isso se fez homem e nos chamou a trabalhar na mesma vinha, a pescar nas suas águas. Deus chama. As suas intervenções na história são chamamentos. Chama-nos hoje como chamou outrora Abraão, Isaías, Moisés, os Apóstolos de ontem e de sempre. A vocação à fé e missão apostólica é iniciativa de Deus e resposta do homem. Ser chamado consiste em ver a Deus e ser seduzido pela santidade infinita, caindo de joelhos.
“Senhor afasta-te de mim”, diz Pedro a Jesus. É a reacção natural do homem perante a santidade de Deus que se revela. Deus quer fazer um povo de santos. Por isso, o Espírito de amor, que procede do Pai, toca os nossos lábios impuros para que a mensagem não se corrompa (1.ª leitura). Confessar-se pecador é a forma perfeita de deixar tudo. Só depois de nos reconhecermos e confessarmos pecadores poderemos seguir a Jesus Cristo. O Reino que Jesus vem trazer e nós vamos anunciar é dos pecadores arrependidos, que entram pela porta estreita da humildade, não fiados em dízimos ou ofertas, mas no amor misericordioso. Converter-se e seguir a Jesus Cristo significa mudar de vida e de nome. Tem de haver uma ruptura radical, deixar para trás velhas alcunhas e ofícios, maneiras de agir e de pensar. Seguir a Jesus Cristo na fé exige o esforço supremo de queimar barcos e redes, cortando retiradas.
“Deixaram tudo e seguiram Jesus”, relata o Evangelho. Foi a resposta pronta e generosa dos discípulos. Como Isaías, também eles reponderam: “eis-me aqui; enviai-me” (1.ª leitura). Ser apóstolo do Reino é ir com Cristo na mesma barca e obediente à palavra, lançar as redes em seu nome. “A obediência é a virtude característica do ministro de Cristo” (Ad gentes 24). Só fiados em Cristo ousamos o incrível e temerário. Somos enviados na fé para o mar alto de névoas e incertezas a pescar o que não sabemos, a olhar na noite as nossas mãos vazias para depois, no fim, encher a barca.
Quando Deus se põe ao volante, as rotas são imprevisíveis e as metas desconcertantes. Vai Deus em mim, inventando comigo caminhos novos, que desconheço. Os caminhos de Deus não são caminhos já feitos, mas respostas a dar, projectos a construir. Exigem escuta na noite da fé, em atenção vigilante ao Senhor que passa. A voz de Deus é uma possibilidade e um apelo, que me leva a encarnar a sua vontade no viver e acontecer de cada dia. Deus não me substitui em nada, mas deu-me a capacidade de fazer e responder, livre e responsável.
Quem quiser viver a fé e ser apóstolo, aceita entrar na zona de mistério, onde Cristo é a resposta e o rumo a seguir. “Faz-te ao largo!”, “Lança as redes”. A Bem-aventurada Virgem Santa Maria, modelo de adesão imediata à vontade de Deus, nos ajude a sentir o fascínio da chamada do Senhor e nos torne disponíveis a colaborar com Ele para difundir por toda a parte a Sua Palavra de Salvação.

