PASSEMOS À OUTRA MARGEM

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Reflexão à Liturgia da Palavra do XII Domingo do Tempo Comum Ano B

Entremos com Jesus Cristo na barca, a aprender a lição da fé. Anda a lição mal sabida, sempre apanhados em falta. É o Senhor quem toma a iniciativa de nos fazer passar à outra margem. Só Ele não se contenta com a nossa mediocridade e por isso nos arranca à instalação e ao comodismo que nos detêm. Ondas e tempestades são o itinerário da fé, o roteiro da esperança.
Jesus Cristo está aqui presente, como outrora na barca onde se encontravam os Seus discípulos. Vai salvar-nos, como os salvou do naufrágio. Avivemos a nossa fé e nunca nos afastemos d’Ele.
Job, no meio do sofrimento, não desanima, mas procura invocar a Deus misericordioso e omnipotente. “O Senhor respondeu a Job no meio da tempestade”. Começa assim a primeira leitura, do livro de Job 38, 1.8-11. A leitura é um pequeno extracto da parte final do livro de Job, em que Deus é apresentado, não a desvendar o mistério do sofrimento do inocente, mas apelando a
que o sofredor eleve o seu espírito para Deus, contemple as maravilhas da natureza e reconheça humildemente a soberania absoluta de Deus e a Sua admirável sabedoria.
No Salmo Responsorial cantemos a misericórdia e o amor de Jesus por nós, procurando amá-l’O com todo o nosso coração. Para este Domingo, a Liturgia propõe o salmo 106 (107) 23-24.25-26.28-29.30-31.
“O amor de Jesus Cristo nos impele, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos portanto morreram” Assim começa a segunda leitura da Segunda Epístola de S. Paulo aos Coríntios 5, 14-17. Os poucos versículos desta leitura, aparecem num contexto em que S. Paulo, face aos seus detractores, trata de justificar o seu comportamento, honrado e coerente para os fiéis de Corinto.
“Cala-te e está quieto”, ordenou Jesus ao mar, cessando o vento e regressando a bonança. “Passemos à outra margem do lago” diz Jesus aos Seus discípulos na passagem evangélica, tirada de S. Marcos 4, 35-41. “Eles deixaram a multidão e levaram Jesus”, narra o Evangelho. Vai Jesus connosco na mesma missão de construir o Reino de Deus. Ir com Ele, fazer como Ele, é certeza de chegar ao fim. Foi para isso que Ele encarnou. A perfeita encarnação está em identificar-se connosco nos nossos temores e anseios, travar as mesmas lutas. Não tarda aí a tempestade. Ela faz parte do programa e caminho escolhido, como consequência natural do seguimento de Jesus Cristo. Quem O quiser seguir, há-de sofrer tempestades, prova real da sinceridade das nossas renúncias e escolhas. Cresceremos na medida em que formos provados. Temos de aprender na tentação e aspereza da vida a ciência de ser frágeis.
“Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada” (V. 38 do Evangelho). Há medos e gritos em mar revolto e Jesus dorme. O Seu sono é a divina tranquilidade e quietude, a segurança dos homens. Se Jesus parece dormir é porque tudo vai bem. Por detrás das aparências se oculta a solicitude de Deus que não dorme, marcando o ritmo de êxitos e fracassos. Jesus dormindo é a prova da fé, ausência do Senhor, que está comigo e “eu não sabia” (Gen 28,16). O seu sono nos desperta, o seu silêncio nos fala. Não importa que Jesus durma. O essencial é ir com Ele na barca, pelas rotas e destinos que nos traçou. Não é Jesus que dorme; sou eu que durmo, à espera de tempestades que me despertem.
“Cala-te e está quieto”, ordena Jesus à tempestade. Jesus actua como Senhor, mandando ao vento e ao mar. Transparece n’Ele a divina grandeza , que se eleva sobre os elementos em convulsão. Para o homem bíblico, o mar é o esconderijo e a personificação das forças do mal, que só Deus pode dominar. Com este gesto, Jesus apropria-se dum poder divino para se revelar aos discípulos como Filho de Deus. “Quem será Ele? Até o vento e o mar lhe obedecem”.
“Ainda não tendes fé?”, pergunta Jesus no Evangelho. O medo é a grande força que hoje domina o mundo. Reina o medo porque não há fé. Andam os corações assustados, porque Deus se cala e esconde. Crises e tempestades na Igreja e na vida dos cristãos são os disfarces de Deus, impelindo a barca para outras margens,. Como a Job, também nos fala do meio da tormenta. A tempestade é o clima natural da fé, o ruído dos passos de Deus, que vem ao nosso encontro. A tempestade é Ele. “Porque estais assustados?”. Deus não dorme. Em qualquer vento ou maré, tudo converge para o projecto de Deus. Abandona-te e confia. Se a tua barca vai ao fundo, também Jesus naufraga. Quando um cristão fracassa, fracassa o Cristo total. Nos balanços da jornada, perante o mal que nos interroga, a resposta a dar é a fé.
“Passemos à outra margem”. Para além das aparências é que as coisas são. É preciso remar forte, cortando brumas,para aportar ao outro lado das coisas, dos outros e da vida. A força que nos sustenta é o Cristo da fé. À insegurança dos homens, responde a força de Deus, que nos pacifica e transporta. A outra margem é Jesus Cristo. Segui-l’O e imitá-l’O é ter chegado ao termo. Porque Ele é o “caminho” e a posse, “o princípio e o fim”. Na praia de qualquer momento, espera-nos Jesus Cristo vivo, a mesa posta.
Hoje peçamos a graça de uma fé que não se canse de procurar o Senhor, de bater à porta do Seu Coração. A Bem-aventurada Virgem Santa Maria que na sua vida nunca deixou de confiar em Deus, volte a despertar em nós a necessidade vital de nos confiarmos a Ele todos os dias.

Diácono António Figueiredo