FELIZES OS QUE ACREDITAM

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Reflexão à Liturgia da Palavra

Domingo II da Páscoa, Ano B

Neste segundo Domingo da Páscoa, o Domingo da Divina Misericórdia, encerramos a oitava da Ressurreição de Jesus Cristo. A Misericórdia infinita é um atributo de Deus, que se exprime num amor incondicional e sem qualquer limite. Aos homens e mulheres de hoje, assustados com a sua própria crueldade para com as outras pessoas, com medo de se aproximarem de Deus, para lhe pedirem perdão, Deus recorda a Sua misericórdia infinita.

A Igreja é a comunidade dos que acreditam em Jesus Cristo ressuscitado. É a ressurreição que faz a Igreja e é a Igreja que continua a ressurreição. Somos um povo de ressuscitados. Os que acreditam em Jesus Cristo, ressuscitaram com Ele. A fé nos introduz, como veste nupcial, na alegria da festa e na celebração do banquete. Quem não acredita ficará de fora, ruminando dúvidas e incertezas.

A Igreja nasceu do mistério pascal, gerada na morte e ressurreição do Senhor. Do coração aberto saiu sangue e água, que simbolizam a Igreja no seu mistério de vida e paixão. Sangue e água, Baptismo e Eucaristia, geram e alimentam o novo Israel de Deus, através de contradições e desertos. Toda a vida da Igreja é tempo pascal, celebração da morte e ressurreição do Senhor, até que Ele volte para as núpcias do amor eterno. Toda a sua história se resume na luta sem tréguas para libertar as pessoas, da morte para a vida. O ser humano está no mundo como testemunha de Jesus Cristo ressuscitado, enchendo de graças e ressurreição os sucessos da história e os caminhos das pessoas.

O Livro dos Actos dos Apóstolos descreve-nos a vida exemplar da primitiva Igreja de Jerusalém. Esta comunidade cristã é para nós uma referência importante, porque nela vivem muitas pessoas que conheceram e ouviram as palavras de Jesus. “A multidão dos que tinham abraçado a fé, tinham um só coração e uma só alma; …” Assim começa a primeira leitura, do Livro dos Actos dos Apóstolos 4, 32-35. 

As maravilhas de Deus operadas na primeira comunidade cristã de Jerusalém pedem o nosso agradecimento ao Senhor. Elevemos ao Céu um salmo de acção de graças e peçamos que o Espírito Santo renove, nas nossas comunidades estas maravilhas. Para Salmo Responsorial, a Liturgia propões o salmo 117, 2-4.16ab-18.22-24

São João, na sua primeira Carta, ensina-nos que sabemos que amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus e cumprimos os Seus mandamentos. O amor de Deus nos leve a sermos cada vez mais dóceis em cumprir a Sua Santíssima vontade. “Quem acredita que Jesus é o Messias, nasceu de Deus e quem ama Aquele que gerou ama também Aquele que nasceu d’Ele”. Assim começa a segunda leitura, da Primeira Epístola de S. João 6, 1-6.

Abramos o nosso coração de par em par, para acolher a Boa Nova da Salvação. Clamemo-la com júbilo, agradecendo ao Senhor a Luz que ela difunde nos nossos caminhos.”A paz esteja convosco”. Não se trata duma mera saudação, a mais corrente entre os judeus, mesmo ainda hoje. Esta insistência de São João na saudação do Senhor é muito expressiva; com efeito, nunca os evangelhos registaram tal saudação mas só agora, quando Jesus, com a sua Morte e Ressurreição, acabava de nos garantir a paz, a paz com Deus, origem e alicerce da verdadeira paz. Disto nos fala a passagem evangélica deste Domingo, relatada por S. João 20, 19-31. Neste breve relato pode ver-se como Jesus cumpriu as suas promessas que constam dos discursos de despedida. 

As crises da Igreja e da vida cristã, hoje, são crises de fé. Como o Apóstolo Tomé, racionalizamos tudo, metendo Deus nos estreitos limites das nossas conclusões. “Se não vir, não acreditarei”. Se acreditas por ver, já não é fé, mas ciência. A fé não põe condições. Assenta no testemunho de Pedro e da Igreja, que nos falam em nome de Jesus Cristo. A fé está hoje em crise, porque falha a comunidade de fé na sua vivência e testemunho. Não há fé sem comunidade. Individualismo e solidão levam a desvarios e negações. “Quando veio Jesus, Tomé não estava com eles”.

Jesus Cristo ressuscitado inaugurou os tempos da fé. Ressuscitando, estabelece com os seus uma relação nova, que transcende o tempo e o espaço. Por isso aparece disfarçado. A realidade da sua vida, o mistério da sua pessoa move-se agora e esconde-se por detrás de figuras e sinais. Exige de nós um olhar novo, uma atitude diferente: “Não me toques!”

A fé é dom gratuito. Jesus Cristo que aparece com as portas fechadas. É Deus que vem ao encontro e nos estende a mão num toque de graça, que vence o obstáculo da razão e dos sentidos. Não há proporção entre a fé e os motivos, entre tocar uma chaga e cair de joelhos. A fé supera todo o conhecimento, está para além de toques e razões. Tomé não acreditou por ter tocado, mas porque se abriu e aceitou. Tocar e ser tocado é a vivência das obras , a verdade da vida. Exige uma resposta de amor, que nos comprometa numa doação total. “Meu Senhor e meu Deus!”

Para chegar à fé é preciso tocar a dor, divagar por noites de dúvidas e incertezas, até raiar a luz que nos sossega e ressuscita. Pode haver mais fé e mais verdade numa dúvida ou hesitação, do que na fácil credulidade dos que aceitam sem busca. A fé não é uma tradição que se aceita, mas a opção voluntária que nos dói e compromete.

“Felizes os que acreditam sem terem visto”, diz Jesus a Tomé no Evangelho. Felizes aqueles que acreditam sem condições e aceitam o risco da fé. Felizes aqueles que descobrem o Senhor nos acontecimentos da vida e sabem dizer sim, caindo de joelhos.

Peçamos à Bem-aventurada Virgem Santa Maria, Mãe da misericórdia e Mãe da esperança, que nos ensine a mostrar às pessoas a misericórdia divina, para as inundarmos da verdadeira Esperança.

Diácono António Figueiredo