AMOR QUE LIBERTA

By

Reflexão à Liturgia da Palavra do IV Domingo do Tempo Comum Ano B

Misericórdia é o nome de Deus. Quem não o sabe? Quem não o sente? O seu poder e grandeza fogem às nossas razões, mas a Sua misericórdia enche-nos o coração. No amor misericordioso nos recriou para uma vida nova, dando-nos o Seu Filho em resgate, como a maior prova de amor. Misericórdia é o rosto autêntico de Deus, a divina invenção que nos atrai e deslumbra..
A nossa experiência àcerca das limitações do ser humano, que se cansa, se desilude e desiste, que tem extrema dificuldade em recomeçar a amizade com o coração aberto, sem preconceitos, leva-nos a julgar erradamente o amor de Deus para connosco.
Neste quarto Domingo da Quaresma, Ano B, o nosso Deus vem fazer-nos uma declaração de Amor, para que nos deixemos abraçar por Ele. Este render-se ao amor de Deus, pela mudança de vida e de mentalidade, chama-se conversão pessoal. O apelo à conversão generosa é a mensagem que a Liturgia da Palavra deste Domingo nos transmite.
O Segundo Livro das Crónicas diz-nos que as infidelidades do Povo de Deus o levaram a uma situação insustentável, perdendo a liberdade e a independência. São as nossas infidelidades ao Senhor que tornam a nossa vida infeliz e nos conduzem a situações dolorosas das quais nos libertamos pela conversão pessoal. “Ponha-se a caminho”, diz-nos a primeira leitura, tirada do Livro das Crónicas 36, 14-16.19-23. Vinha de longe o mistério, anunciado em figuras e sinais. A libertação do cativeiro de Babilónia é figura da libertação de Jesus Cristo pela cruz. Jesus Cristo vem libertar a humanidade pecadora, fazendo-a regressar à Casa do Pai. No deserto, a serpente de bronze era anúncio da elevação de Jesus Cristo na cruz, donde sairá a salvação do mundo, mordido pelo pecado.
Como o Povo de Deus, liberto do cativeiro, ponhamo-nos a caminho . Virão fomes e lutas, feridas do pecado que há em nós e nos outros. Para nossa força e remédio, levanta-se diante de nós Jesus Cristo crucificado, que nos cura com o unguento precioso do seu sangue redentor. Jesus Cristo crucificado é o cimo para onde convergem todos os olhares, em busca de vida e de perdão.
No Salmo Responsorial, o salmista canta a dor amarga do Povo de Deus, exilado em Babilónia e tratado como escravo pelos seus opressores. Esta oração pode ser para nós uma manifestação do regresso aos braços amorosos de Deus e a expressão do nosso arrependimento. “Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém, fique presa a minha língua”, é o refrão do salmo 136 (137), 1-2.3.4.-5.6 que a liturgia propõe para este Domingo.
S. Paulo, na carta que escreve aos fiéis da Igreja de Éfeso, exalta a misericórdia que Deus tem para connosco quando perdoa os nossos pecados. Enchamo-nos de confiança no Senhor e peçamos a Sua ajuda para recomeçarmos o caminho do Céu esta Quaresma. “Deus que é rico em misericórdia”, começa por dizer a segunda leitura , tirada da Epístola de S. Paulo aos Efésios 2, 4-10.
Acreditemos, de uma vez para sempre, na sinceridade do amor de Deus para connosco, que aceitou a morte para nos salvar. Abramos o coração e a inteligência à luz do Evangelho.”Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito”. V. 16 do Evangelho de S. João 3, 14-21, que escutaremos neste Domingo. Não tinha mais nada para dar. O mistério da cruz é o escândalo permanente do amor misericordioso. O Calvário apregoa ao mundo as loucuras do homem e a loucura de Deus. Na cruz de Jesus Cristo convergem os excessos de amor do Pai e do Filho. Jesus, tendo amado os seus, amou-os até ao extremo de dar a vida por eles. (Jo 13,1). A maior prova do poder de Deus, que alegra o seu coração de Pai, está em compadecer-se e perdoar. É assim que Deus nos ama e nós devemos amar. A caridade fraterna é amor misericordioso, amar como Jesus Cristo ama, perdoar como Ele perdoa.
“Quem acreditar n’Ele não é condenado” (v. 18 do Evangelho). A fé entra como condição para ir à festa do amor misericordioso. Quem não acreditar ficará de fora, negando-se a entrar na alegria do coração do Pai, expressão e garantia do amor que nos tem. Só acreditando e comungando n’Ele , poderemos saborear o seu perdão. Não veio para condenar, mas para salvar. Deus não condena ninguém; são as nossas obras que nos condenam ou absolvem, à face de Deus e das pessoas.
O grande obstáculo à misericórdia são as obras das trevas , que os homens preferiram à luz (Evangelho). Há cegueiras voluntárias que impedem os olhos de ver e os corações de se abrir. Pelas más acções que praticarmos, apagamos a luz que há em nós, fugindo à verdade e ao amor. Quem fugir da luz, entra na noite das contradições amargas e das esperas sem fim. Só pela vida da fé, acreditando no amor, vamos renascer para uma vida nova.
Não há nascimento sem amor. Para renascer de novo, temos de acreditar no amor misericordioso do Pai, que nos gerou na cruz de Jesus Cristo. Que a Bem-aventurada Virgem Santa Maria, Mãe de misericórdia , infunda no nosso coração a certeza de que somos amados por Deus. Ela permaneça junto de nós nos momentos em que nos sentimos sós, quando somos tentados a render-nos às dificuldades da vida. Que Ela nos comunique os sentimentos de seu Filho Jesus, para que o nosso caminho quaresmal se torne experiência de perdão, de acolhimento e de caridade.

Diácono António Figueiredo