
Reflexão à Liturgia da Palavra do III Domingo da Quaresma Ano B
A mensagem deste Domingo é de escândalos: escândalo de azorragues, escândalo de vendilhões no Templo, escândalo de Jesus Cristo crucificado. Perante tal situação, quem não se sentirá devorado, como Jesus Cristo, pela casa do Pai? (Salmo 69, 10) .
Nesta caminhada da Quaresma, sobretudo neste III Domingo, a liturgia da Palavra aborda dois pontos fundamentais da religião judaica: a Lei de Deus e o Templo que com o passar do tempo estavam a precisar de uma profunda purificação. Deixemos que seja Jesus a purificar este “Templo” que somos nós. Deixemos que Ele mesmo expulse os vendilhões que dentro dos nossos corações ocupam o lugar que pertence ao Senhor e semeiam a inveja, o ciúme e a discórdia.
No início da semana agradecemos ao Senhor por nos brindar com mais uma semana para a realização do nosso trabalho, com os nossos anseios, com o dever de gratidão por tudo o que nos concede. Pedimos-Lhe que venha uma vez mais ao nosso encontro a fim de nos dar coragem para continuarmos a cumprir a missão que nos confiou.
“Eu sou o Senhor teu Deus”,. Começa assim a primeira leitura, tirada do livro do Êxodo 20, 1-17. Deus, por meio de Moisés, oferece-nos os mandamentos que devem balizar a nossa caminhada pela vida. São indicações que dizem respeito às duas dimensões fundamentais da nossa existência: a nossa relação com Deus e a nossa relação com os irmãos.
Diz-nos o salmista que “os preceitos do Senhor valem mais que o ouro mais fino”. São na verdade um tesouro, que cada cristão deve guardar, como tábua de salvação, para se proteger de uma vida à deriva, sem rumo, num mundo sem lei. “Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna” é o refrão do Salmo Responsorial que ilustra o salmo 18 (19), 8.9.10.11.
O apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à lógica de Deus. É preciso que descubramos que a salvação , a vida plena, a felicidade sem fim não está numa lógica de poder, de autoridade, de riqueza, de importância, mas está na lógica da cruz, isto é, no amor total, no dom da vida até às últimas consequências. “Loucura de Deus”, refere a segunda leitura, tirada da Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios 1, 22-25. Os gestos radicais são da essência evangélica. Nascem daquela raíz de inconformismo e exigência, que não nos deixa transigir e conformar com um mundo injusto e pagão. Vem sempre marcados de violência evangélica , que não se confunde com palavras e ruídos, mas abala com o testemunho da vida. Não há gesto tão profético como a “violência” dos mansos e dos humildes, escândalo dos homens e loucuras de Deus. Se a injustiça é gritante, muito mais hão-de gritar os profetas pelas ruas e praças. A loucura de Deus proclamada proclamada em palavras e obras, é a ciência que salva o mundo e redime as nossas pobres razões e vã sabedoria..
Jesus apresenta-Se como o “novo Templo”, onde Deus Se revela às pessoas e oferece o seu amor. A crucifixão de Jesus é a destruição do templo antigo, iniciando, desde a sua ressurreição, uma maneira nova de venerar a Deus em ”espírito e verdade”. “Encontrou no Templo os vendilhões e os cambistas”, diz a passagem evangélica deste Domingo, tirada do Evangelho segundo S. João 2, 13-25. O Templo de Deus, a realidade sagrada andou sempre invadida de equívocos grosseiros, que introduzem a abominação no lugar santo. É o tráfico dos nossos egoísmos e interesses, o escândalo das nossas divisões e discórdias. Em vez da oblação de uma vida imaculada, pretendemos subornar com ofertas o coração de Deus. Deixamo-nos invadir de mediocridade, fugindo às exigências da cruz de Jesus Cristo, “escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (2.ª leitura). Como resposta a abusos e injustiças, lavamos as mãos com piedosas escusas e prudentes retiradas. Assim anda profanado o templo de Deus que nós somos.
“Destruí este templo e em três dias o levantarei”, disse Jesus. Referia-se ao templo do seu corpo. O corpo de Jesus Cristo é o templo novo das glórias do Pai, onde se celebra o sacrifício da nova e eterna Aliança. N’Ele habita toda a plenitude da divindade e por isso já não faz sentido o Templo de Jerusalém, que será arrasado para dar lugar ao Templo novo, que é Jesus Cristo. Jesus Cristo ressuscitado é a presença de Deus na Igreja e no mundo, o centro de convergência de Deus e do homem. Os judeus pedem-lhe um sinal, mas o sinal é Ele, que ali têm diante dos olhos. Jesus Cristo é a razão clara de tudo o que não entendo. A resposta que convence, a razão que me autoriza está no mistério de Cristo, morto e ressuscitado.
Mas os gestos de Jesus Cristo são sinais proféticos, denúncia do presente, anúncio do futuro. Expulsando do Tempo traficantes e animais, Jesus proclama que chegaram os tempos novos e desapareceram velhas figuras e ritos. Chegou a hora de subir do templo do mundo e de todo o coração purificado a oblação imaculada que satisfaz ao Pai. Mas poucos entendem. Há interesses criados, apegos mesquinhos a ideias e situações.
Ao grito do amor se remexe e purifica o templo vivo de Deus. Seremos contestação e azorrague, na medida em que testemunharmos na vida o escândalo permanente dum Cristo morto e ressuscitado.
A Bem-aventurada Virgem Santa Maria nos ampare no compromisso de fazer da Quaresma uma boa ocasião para reconhecer Deus como único Senhor da nossa vida, tirando do nosso coração e das nossas obras todas as formas de idolatria.


