ARREPENDEI- VOS!

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Reflexão à Liturgia da Palavra do I Domingo da Quaresma, ano B

É o brado de Jesus Cristo ao iniciar a sua pregação, repetido pela Igreja neste começo da Quaresma. Vai nele um programa de vida para entrar no Reino, a condição para ressuscitar. Na mensagem deste primeiro Domingo da Quaresma, ouvimos proclamadas as exigências da vida nova, geradas no sangue de Jesus Cristo. Deserto, lutas conversão: três tempos, três respostas que nos fazem companheiros de Jesus Cristo no seu caminho de glória.
Tudo é provisório nesta vida. As obras dos homens acabarão por ser reduzidas a cinza, pela natural erosão, ou pela sanha demolidora dos que hão-de vir depois de nós. Que monumentos conservamos daqueles que foram construídos a milhares de anos?
Só as obras do amor vão perdurar eternamente, resistindo ao desgaste do tempo. Construamos uma vida definitiva, procurando valores que resistem à lei da morte.
A Quaresma, iniciada na Quarta Feira de Cinzas, preparando-nos para a Páscoa da Ressurreição do Senhor, é um desafio que a Igreja nos lança para uma revisão de tudo o que fazemos na vida. Queremos responder a esse desafio pela conversão pessoal. Procuremos construir para a eternidade.
Como resposta ao sacrifício oferecido por Noé, ao sair da arca depois do dilúvio, o Senhor faz uma aliança com ele e por ele com toda a criação. O arco-iris que se forma depois da chuva, ficará como sinal sensível desta promessa do Senhor. A Aliança com Noé, a primeira das que vão se seguir, aparece neste lugar como uma mensagem de reconciliação, tema dominante da Quaresma. Disto nos dá conta a primeira leitura, tirada do livro do Génesis 9, 8-15.
O Salmo Responsorial é uma oração cheia de confiança no Senhor que perdoa e guia o homem, ensinando-lhe os seus caminhos. O fiel humilde, porque reconhece os seus pecados, apela para a misericórdia de Deus, para que o ajude a reencontrar a paz. “Todos os vossos caminhos, Senhor, são amor e verdade para os que são fiéis à vossa Aliança”, é o Refrão do salmo 24 (25) 4bc-5ab. 6-7bc.8-9, que a Liturgia nos propões para este Domingo.
Na segunda leitura, S. Pedro vem recordar-nos que ser cristão, nunca foi nem nunca será pròpriamente uma vida fácil e cómoda. O Baptismo fala-nos em morrer com Jesus Cristo, pela cruz de cada dia, para ressuscitarmos com Ele e podermos entrar na glória. “Cristo morreu uma só vez pelos pecados” diz-nos o princípio da segunda leitura, tirada da Primeira Epístola de S. Pedro 3, 18-22.
Viver na fidelidade a Jesus Cristo exige de nós uma luta sem tréguas contra as tentações. Jesus ensina-nos como havemos de vencer, dando-nos o exemplo da sua vitória. “O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto”. Começa assim a narrativa da passagem evangélica, tirada do Evangelho de S. Marcos 1, 12-15. Também o caminho da Nova Aliança passa por desertos. As alianças vieram sempre por caminhos da fé, ao fim de lutas e provas (1.ª leitura). Quaresma é deserto, lugar de purificação e intimidade, para as grandes decisões na fé e na esperança. É no deserto que Deus fala aos seus amigos e onde se tramam, em silêncio, mudanças e revoluções. Todos os profetas de ontem e de hoje surgem do deserto. Todos os revolucionários saem das cadeias.
Quaresma é tempo de comunhão. Vai a Igreja, novo Israel de Deus, na mesma caminhada, renovar a aliança com Deus e com os homens, unida num só coração \e numa só alma. Nos perigos e miragens do deserto, temos a força dos irmãos que nos acompanham e sustentam para que a nossa fé não desfaleça. Quaresma da vida, Quaresma da fraterniade.
“Era tentado por Satanás”, refere o Evangelho. A Quaresma vem marcada, desde o início, com o sinal da cruz, expresso nas tentações de Jesus Cristo,. Satanás revela-se como o adversário declarado que se opõe ao Reino de Deus. Jesus Cristo quis sentir na sua carne a tentação de apegos sensíveis, a sedução da glória e do orgulho. Aceitou a luta no nosso próprio terreno. Na verdade, temos um Pontífice conhecedor das nossas debilidades, que experimentou uma a uma (Epístola aos Hebreus 4,15).
Jesus entra no jogo da vida como qualquer, aceitando o risco de ganhar ou perder, em tudo semelhante, excepto no pecado. As tentações de Jesus Cristo são a divina pedagogia, que desmascara ilusões e embustes. Em disfarces da Escritura pode vir a tentação. Mas Jesus Cristo é a Palavra encarnada, a resposta e solução de todas as dificuldades. Pela sua vitória sobre o demónio, todos saímos vencedores com a força do Espírito.
“Arrependei- vos”, exorta Jesus no Evangelho. A luta termina em conversão e mudança de vida. Tenho de voltar-me para Jesus Cristo e para os outros, renegando das minhas idolatrias e infidelidades. Tenho de transformar-me em Jesus Cristo, para fazer um só corpo com Ele e conm os irmãos. A conversão quaresmal significa aprofundamento da fé. Somos sempre catecúmenos em formação permanente, progredindo no conhecimento de Jesus Cristo. Da fé vivida nasce a renovação interior.
Vamos reconstruir o ser humano, vamos mudar de vida. Há em nós critérios e atitudes que têm de morrer. Converter-se cada dia exige morrer aos poucos, sepultar-nos com Jesus Cristo, para ressuscitarmos com Ele. Penitência é rito novo, não de morte, mas de ressurreição. Precisamente por isto a Quaresma constitui um tempo favorável para uma atenta revisão de vida, no recolhimento, na oração e na penitência. Invoquemos a protecção materna a Bem-aventurada Virgem Santa Maria, para que a Quaresma seja para todos os cristãos uma ocasiãio de conversão e de estímulo mais corajoso à santidade.

Diácono António Figueiredo