DAI A CÉSAR, DAI A DEUS

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Reflexão à Liturgia da Palavra do XXIX Domimgo do Tempo Comum Ano A

Em vésperas da Sua Paixão, Jesus Cristo mostra-Se Caminho, dando respostas claras. Delimitou campos, desfez equívocos. Não é um Messias político, pretendente de realezas e poderes temporais. O Reino que vem instaurar situa-se acima de disputas partidárias e interesses políticos. Jesus Cristo vem estabelecer o primado do que é de Deus sobre aquilo que é de César.
Celebramos hoje o Dia Mundial das Missões, que tem como tema escolhido pelo Papa Francisco, uma frase inspirada na história dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35): «Corações ardentes, pés a caminho».
É o encontro com Jesus Cristo na Palavra e no pão partido, quie acende em nós o entusiasmo para nos pôr pés a caminho, com a alegria de proclamar Jesus Cristo ressuscitado. Sabendo que o Senhor nos escolheu e cingiu, comecemos por dar a Deus o que é de Deus, para depois partirmos em missão. Pois “uma Igreja autênticamente eucarística é uma Igreja missionária.» “Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis, 84 (Sacramento da Caridade)”.
No exílio da Babilónia o Povo de Deus espera que o Senhor suscite, entre os israelitas, um «Messias libertador». Como sempre, o agir de Deus é surpreendente e desmonta todos os esquemas humanos: o escolhido e ungido pelo Espírito de Deus é um pagão, Ciro, o rei da Pérsia. É a ele que é dirigida a palavra da primeira leitura, tirada do Livro de Isaías 45,1-4-6.
No Salmo Responsorial, o salmista convida toda a terra a cantar, a bendizer e a anunciar a salvação, a glória e as maravilhas do Senhor. Pois Ele é o único Deus, digno de louvor e pleno de poder, a quem todos os povos devem adorar e aclamar como Rei. Como cristãos missionários, aclamemos e testemunhemos a glória e o poder do Senhor, cantando o Salmo 95 (96), 1.3.4-5.7-8.9-10a.c.
Na segunda leitura, começamos hoje a leitura da Primeira Epístola de S. Paulos aos Tessalonicenses, a comunidade cristã existente na cidade de Tessalónica, no norte da Grécia. Tendo recebido a notícia , trazida por Timóteo, de que aquela comunidade crescia e se fortalecia na fé, S. Paulo escreve a esses cristãos uma carta, cujo início é proclamado na Liturgia da Palavra deste Domingo. “Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja dos Tessalonicenses …” assim começa a esta segunda leitura, extraída da 1.ª Epístola de S. Paulos aios Tessalonicenses 1-5b.
Os chefes religiosos de Iarel tentam por todos os meios, apanhá-l’O em falso, para O condenar. Hoje colocam-Lhe a questão do dever, ou não, pagar-se imposto ao Imperador de Roma. Na Sua resposta a esta pergunta com rasteira, Jesus segue duas pistas: evita a politização da imagem de Deus e opõe-se à sacralização do poder político. Nas suas palavras, Jesus desafia o crente a fazer-se esta pergunta: “A quem pertenço? Quem é o meu Senhor?”.
“Dai a César o que é de César”, diz Jesus na passagem evangélica deste Domingo, tirada do Evangelho de S. Mateus 22, 15-21. É o mandamento de Jesus Cristo, repetido na pregação de S. Paulo: “Todo o homem se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus” (Epístola de S. Paulom aos Romanos 13,1). O Concílio Vaticano II exorta os cristãos a cumprir com zelo e fidelidade as suas tarefas terrestres (Gaudium et Spes 42). O Reino dos Céus não é deste mundo, mas insere-se nas realidades terrenas.
O cristão vive comprometido na construção da cidade dos homens e encarna a fé nas suas opções familiares, políticas e sociais. Como cidadão obedece ao poder cívico na sua esfera de acção e cumpre o dever de pagar imposto, votar, trabalhar em ordem ao bem comum. O cristão que rejeitasse as suas responsabilidades políticas e sociais, viveria entre os homens como alienado e desertor. Só dando a César o que é de César, o cristão poderá ser irradiação de amor, fermento metido na massa.
“Dai a Deus o que é de Deus”, conclui Jesus. É a resposta que não foi pedida. Dela ressalta um “mas” e um “mais”, que nos desmarcam do jogo político e das realidades terrenas. Deus e César não se situam no mesmo plano. Face ao poder, Deus é o Senhor; e mais ninguém (1.ª leitura). Dar a Deus o que é de Deus significa aceitar na fé as exigências do Reino. A libertação que nos traz não consiste em mudanças políticas ou sociais, mas na reforma das vidas e corações. Jesus Cristo separa a religião da política, o poder religioso do temporal. Dá o devido valor ao poder político, responsabilizando-o pela costrução da cidade. Já não há “poder divino” nas realezas humanas, mas subordinação de valores. Na vida do cristão tudo existe e converge em fidelidade e resposta ao Evangelho.
Mas não há oposição entre o que é de César e o que é de Deus. Tudo se harmonisa e completa em ordem ao mesmo fim. Tudo se encontra e subsiste no mesmo projecto de Deus. Os poderes são dois, mas a obediência é só uma: “Não há autoridade que não venha de Deus” (S. Paulo aos Romanos 13,2). A ordem civil descende e integra-se na lei eterna, que vigora no oração de Deus, Senhor de todos os senhores. Dar a César o que é de César deria de dar a Deus o que é de Deus.
“De quem é esta imagem?”, pergunta Jesus. O cristão é imagem de Jesus Cristo. Por isso lhe pertence. A vida cristã vive-se dando-nos a Jesus Cristo, como moeda de valor, que temos de pôr a render. A imagem que levamos impressa nos aponta e compromete para que todos O reconheçam. Vivemos já na posse da liberdade de Deus, rejeitando tributos de servidão. Dar a Deus o que é de Deus, só se entende se eu der tudo.
“Santa Maria, do Caminho, Mãe dos discípulos missionários de Cristo e Rainha das missões, rogai por nós. (Da mensagem para o dia Mundial das Missões de 2023 do Papa Francisco).”

Diácono António Figueiredo