COMEÇOU A EXPLICAR

By

Reflexão à Liurgia da Palavra do XXII Domingo do Tempo Comum Ano A

A cruz é aprendizagem lenta e difícil, que só na fé se compreende. Na confissão de Pedro havia ainda muito de pensamento humano. Não sabia que o Filho de Deus vivo era Jesus Cristo sofredor, que tinha de mostrar-se Filho com sua morte e ressurreição. Por isso, “começou a explicar que tinha de ser morto e ressuscitar”.
Sonhamos com uma vida cómoda, sem contradições, nem sofrimento de qualquer espécie; um mundo cheio de flores, sem espinhos. Com facilidade descobrimos que o sal das dificuldades e contradições está misturado nos melhores ambientes da vida. Choca-nos principalmente que as pessoas virtuosas não sejam compreendidas e louvadas e que a vida corra cheia de facilidades para os que deixam a Deus de parte. Na Liturgia da Palavra deste vigésimo segundo Domingo do Tempo Comum, Ano A, o Senhor recorda-os, uma vez mais, que estamos em tempo de prova e que a redenção vem, não pelas flores das facilidades, mas pela cruz.
“Vós me seduziste, Senhor e eu me deixei seduzir; Vós me dominastes e vencestes”. Com esta frase inicia a primeira leitura, proveniente do Livro de Jeremias 20, 7-9. Jeremias esforçou-se por manter os judeus fiéis à Aliança com Deus, quando Jerusalém estava cercada por Nabucodonosor e teve de sofrer muito dos seus conterrâneos. A fidelidade a Deus pode custar-nos sofrimentos e incompreensões, mas Deus que nos pede esta fidelidade, há-de valer-nos nestas dificuldades.
O salmista, ao mesmo tempo que suspira pela ajuda do Senhor, mantém uma confiança inabalável n’Ele. É uma magnífica oração para rezarmos nos momentos em que formos tentados a pensar que estamos desamparados por Deus. “A minha alma tem sede de Vós, meu Deus”, é o refrão do Salmo Responsorial deste Domingo, onde cantaremos o salmo 62 (63), 2.3-4.5-6.8-9.
S. Paulo pede aos fiéis da Igreja de Roma que se mantenham fiéis ao Senhor, no meio de grandes dificuldades que estão a enfrentar. Este mesmo conselho é dirigido a cada um de nós que nos esforçamos por manter a nossa fidelidade ao Senhor, no meio das dificuldades do ambiente em que vivemos. “Vos ofereçais a vós mesmos como vítima santa, viva, agradável a Deus …” Este é o apelo que S. Paulo faz na segunda leitura, tirada da sua Epístola aos Romanos 12, 1-2.
A fé recebida no Baptismo é a luz que ilumina o nosso caminho e é alimentada pela Palavra de Deus. “Vai-te da minha frente”, diz Jesus a Pedro na passagem evangélica deste Domingo, tirada do Evangelho de S. Mateus 16, 21-27. Cominham diante de nós ilusões e fantasmas, que não nos deixam ver o verdadeiro rosto de Jesus Cristo. Queremos um Messias ao nosso gosto. Perante um Jesus Cristo servo, carregando a cruz, revoltam-se dentro de nós recusas e rebeldias. Para seguir a Jesus Cristo temos de rejeitar os interesses dos homens. Há uma total relutância que nos divide, sem possibilidade de reconciliação. A cruz não se pode pensar em conceitos humanos. É interesse de Deus, divina sabedoria, que o olhar humano não alcança. Quando a cruz estiver à frente, como interesse e medida, não há escândalos nem estorvos. “Tinha de sofrer”. Tenho de aceitar. É o amor que nos obriga.
“Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo”, desafia Jesus. A fé exige dizer não. O cristão tem de renunciar à sua maneira humana de pensar para poder reconhecer qual é a vontade de Deus.Isto pede-lhe uma atitude constante de avaliação e discernimento. O mundo tem critérios e práticas , que não se adaptam ao culto do espírito devido a Deus. Por isso, “não vos adapteis a este mundo”, conforme exorta S. Paulo na segunda leitura. Tenho de rejeitar muita coisa para me oferecer como vítima viva, santa e agradável a Deus. Mentes renovadas exigem pensamentos novos. Quando aprender a renunciar-me, começarei a ser discípulo de Jesus Cristo.
“Tome a sua cruz”, exorta Jesus. É uma escolha e não uma fatalidade. Está nela a ciência de Jesus Cristo, compêndio de amor e de verdade. Pela cruz assemelhamo-nos a Jesus Cristo e participamos com Ele na salvação do mundo. Tomar a cruz é gesto pascal de morte e ressurreição. Na cruz seremos exaltados. “Sofremos com Ele para também com Ele sermos glorificados” (S. Paulo aos Romanos 8,17). O cristão é a pessoa que se deixou vencer e cativar pela cruz de Jesus Cristo.
“Siga-Me” encoraja Jesus. Não decoramos doutrinas , mas seguimos uma Pessoa. Cruz sem seguimento de Jesus Cristo, seria fracasso e não caminho de redenção. Tudo se reduz a seguir os passos de Jesus Cristo, para com Ele morrer e ressuscitar. Como Jeremias e como Paulo respondemos ao seu apelo. Arde em nós o mesmo fogo devorador, que nos domina e nos compromete. Na graça do chamamento já nos seduziu e venceu, porque Ele era o mais forte. “Vós me seduzistes Senhor e eu deixei-me seduzir”, diz Jeremias na primeira leitura.
“Quem quiser salvar a própria vida, há-de perdê-la”, diz Jesus. Na economia da graça, perder é ganhar. Perder-se significa desencontrar-se. Tenho de perder-me de mim, para que orgulhos e egoísmos não me arrastem. Tenho de perder-me do mundo, para que os seus critérios me não seduzam. Perder a vida é encontrar-me no pensamento e no coração de Deus, fazendo a sua vontade. Profeta é aquele que perde a voz, como Moisés, para ser a voz de Deus e dos irmãos que sofrem,. Enquanto não me perder, ninguém me pode encontrar. Perder a vida para salvar é a divina invenção de Jesus Cristo crucificado,.
Que a Bem-aventurada Virgem Santa Maria, unida ao seu Filho até ao Calvário, nos ajude a não retroceder perante as provações e sofrimentos que o testemunho do Evangelho implica para todos nós.

Diácono António Figueiredo