PORQUE DUVIDASTE?

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Reflexão à Liturgia da Palavra
do XIX Domingo do Tempo Comum Ano A

Diácono António Figueiredo

Saciada a multidão, os discípulos entram na barca e Jesus subiu ao monte para rezar sozinho. Levanta-se a tempestade e Jesus Cristo ausente. Num mundo de tempestades, o importante é rezar. Por mais ruídos que ensurdeçam, o importante é ouvir. Por sobre as ondas e os ventos passa dominador o silêncio de Deus. 

A barca é a figura da Igreja e do cristão. Foi Jesus Cristo que nos chamou e meteu na barca. “Vem”. Fiados na Sua Palavra, entrámos na tempestade da fé, no embate de contradições e exigências. Jesus Cristo ausente é nuvem que se interpôs. Vai connosco no mesmo risco, comprometido na mesma luta. Se a barca for ao fundo, Ele irá também. Está connosco na intimidade da oração, na certeza do amor escondido. Ao sopro do Espírito, impelindo a barca, chegarei ao outro lado das coisas e da vida, a margens e portos que não sei.

Em cada Domingo, estamos reunidos em Assembleia celebrante, celebrando o Dia do Senhor. Vamos com alegria ao encontro do Senhor para escutar a Sua Palavra e comungar o Pão descido do Céu. Hoje, a Palavra de Deus que sempre nos ilumina e ajuda na nossa caminhada cristã, fala-nos das nossas relações com Deus e das de Deus connosco.

A primeira leitura, do Livro dos Reis 19, 9a.11-13a, relata-nos uma conhecida teofonia de Deus no monte da Revelação, o Horeb. O Senhor revela-Se na suavidade de uma brisa de conforto, em palavras e acções de paz. 

O salmista canta que a salvação está perto, convidando o povo a regressar até Deus com todo o coração. “Mostrai-nos Senhor o vosso amor e dai-nos a vossa salvação”, é o refrão do Salmo Responsorial, salmo 84 (85), 10.11-12.13-14.

S. Paulo vê, com imenso sofrimento, o afastamento de Israel da salvação, por ter rejeitado Jesus Cristo. No entanto, Paulo conhece bem o poder e a misericórdia divina,acreditando que Deus iluminmará o povo. “Eu digo a verdade não minto e disso me dá testemunho a consciência no Espírito Santo”, diz S. Paulo no início da segunda leitura, tirada da sua Epístola aos Romanos 9,1-5.

A passagem evangélica deste Domingo, tirada do Evangelho segundo S. Mateus 14, 22-33, diz muito sobre a nossa vida. Tal como Pedro, a nossa vida é comparada a um barco que navega por águas agitadas pelo vento, perdendo a confiança e pedindo provas. “O barco ia já no meio do mar, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário”(v. 24). A tempestade do lago é a aprendizagem da fé, condição necessária para enraizar e crescer. Dificuldades e lutas levantam-se na vida como consequência do seguimento de Jesus Cristo. Para os que se ficam à margem, não há ondas ou riscos. Só quando se começa a subir se começa a escorregar. A tempestade despoja-nos e desaloja-nos para irmos ao encontro de Jesus Cristo. Na prova e na adversidade temos de aprender a força de crer, a ciência de esperar..

“Tende confiança. Sou Eu. Não temais.”, diz Jesus aos discípulos. Deus vem ao nosso encontro trazido na tempestade e não O reconhecemos. As nossas desilusões e temores desfiguram o rosto de Jesus Cristo. Provas e lutas são o ruído dos passos de Deus que se aproxima. Se a tempestade se levanta no teu caminho, é sinal de que o Senhor não tarda. Mais ainda! Quando a humilhação e o fracasso nos afundam e deprimem, “Sou Eu; não temais”. Quando a impressão nos destroça e o deserto nos circunda, “sou Eu; não temais”. Quando se puser o sol da alegria de viver e entrarmos em agonia, “sou Eu; não temais”.Donde vem a tempestade daí vem a salvação, caminhando siobre as ondas. Jesus Cristo é a dificuldade, Jesus Cristo é a solução.

“Homem de pouca fé, porque duvidaste?, diz Jesus a Pedro. A falta de fé é a grande tragédia que devasta o mundo e a Igreja. A fé é a força que tudo vence. Temos de caminhar sobre as ondas, como Pedro, ao encontro de Jesus Cristo. Fé é fiar-se de Jesus Cristo, ir para Ele, mesmo que o vento sopre e os pés se afundem. Para quem acreditar n’Ele, não há ventos nem distâncias. A fé vive-se em gritos, acordando do sono para as caminhadas de Deus. Quando eu gritar, verei Jesus Cristo sobre as ondas ao meu encontro. O grito é já Ele. Na noite da fé travam-se as minhas lutas e desce Deus pela escada dos meus sonhos e anseios, para ficar em mim, sem eu saber.

“Logo que sairam do barco o vento amainou”, (v. 32 do Evangelho). Jesus Cristo é bonança. Não são os nossos esforços que levam a barca, mas o sopro do Espírito. Deus conta com os nossos esforços para que a nossa fragilidade se torne força de Deus. Jesus Cristo na barca, presente em nós e na Igreja, é meta de chegada, posse definitiva. Viver Jesus Cristo é imitá-l’O é o termo da plenitude. “Eu sou o princípio e o fim” (Apocalipse 1,8).

A Bem-aventurada Virgem Santa Maria nos ajude a permanecer firmes na fé para resistir às tempestades da vida, a persistir na barca da Igreja refutando à tentação de subir nos barcos encantadores, mas inseguros, das ideologias, das modas e dos slogans.